1. |
Na Hora de Por a Mesa
05:37
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na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs e eu.
depois, a minha irmã mais velha casou-se.
depois, a minha irmã mais nova casou-se.
depois, o meu pai morreu.
Hoje, na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está na casa dela,
menos a minha irmã mais nova que está na casa dela,
menos o meu pai,
menos a minha mãe viúva.
cada um deles é um lugar vazio nesta mesa onde como sozinho.
mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos sempre cinco.
José Luís Peixoto - A Criança em Ruínas
Portugal
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2. |
O Cercado
02:20
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De que cor era o meu cinto de missangas, mãe
feito pelas tuas mãos
e fios do teu cabelo
cortado na lua cheia
guardado do cacimbo
no cesto trançado das coisas da avó
Onde está a panela do provérbio, mãe
a das três pernas
e asa partida
que me deste antes das chuvas grandes
no dia do noivado
De que cor era a minha voz, mãe
quando anunciava a manhã junto à cascata
e descia devagarinho pelos dias
Onde está o tempo prometido p'ra viver, mãe
se tudo se guarda e recolhe no tempo da espera
p'ra lá do cercado
(Dizes-me coisas amargas como os frutos)
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3. |
Espiral
03:38
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No oculto do ventre,
o feto se explica como o Homem:
em si mesmo enrolado
para caber no que ainda vai ser.
Corpo ansiando ser barco,
água sonhando dormir,
colo em si mesmo encontrado.
Na espiral do feto,
o novelo do afecto
ensaia o seu primeiro infinito.
Mia Couto - No livro “Tradutor de Chuvas”
Moçambique
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4. |
Ai se um dia
03:03
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Ai se em outubro chovesse
A terra molhasse
O milho crescesse
E a fome acabasse
Ai se o milho crescesse
A fome acabasse
O homem sorrisse
E a terra molhasse
Ai se o homem sorrisse
a terra molhasse
a fome acabasse
e a chuva caísse
ai se um dia…
acordemos camaradas
as chuvas de outubro não existem
o que existe
é o suor cansado
dos homens que querem
o que existe
é a busca constante
do pão que abundante virá
homens, mulheres, crianças
na pátria livre libertada
plantando mil milharais
serão a chuva caindo
na nossa terra explorada
Vera Duarte- Cabo Verde
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5. |
Poemar
03:17
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Poemar é amar o mar
Poemar é revestir o ser
Com o próprio pensamento
É trazer à superfície
O subconsciente
É ser vidente
É ser viandante
É amar a dor
E dar calor
Ao frio da noite.
Poemar é dar prazer ao ser
É estar contente
Por poder amar
E poemar é amor
Poemar é amar
Quando ao luar
O mar e a mente se entrelaçam
Quando a dor e o calor se confundem...
Poemar é amor
É amar
É mar
E é dor também
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6. |
Poema Ancestral
02:52
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Lembra os dias antigos
Em que cantavas a pureza
Na nudez dos teus passos e gestos
Ou dançavas na inocente vaidade
Ao som dos «babadok».
Relembra as trevas da tua inquietação
E o silêncio das tuas expectativas,
As chuvas, as memórias heróicas,
Os milagres telúricos,
Os fantasmas e os temores.
Tenta lembrar a herança milenar dos teus avós
Traduzida em sabedoria
E verdade de todos.
Recorda a festa das colheitas,
A harmonia dos teus Ritos,
A lição antiga da liberdade,
Filha da natureza.
Recorda a tua fé guerreira,
A lealdade,
E a ternura do teu lar sem limites,
Nos caminhos do inesperado
Ou no improviso da partilha definitiva.
Lembra pela última vez
Que a história da tua ancestralidade
É a história da tua Terra Mãe…
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7. |
Alvará de Demolição
03:06
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O que precisa nascer
tem sua raiz em chão de casa velha.
À sua necessidade o piso cede,
estalam rachaduras nas paredes,
os caixões de janela se desprendem.
O que precisa nascer
aparece no sonho buscando frinchas no teto,
réstias de luz e ar.
Sei muito bem do que este sonho fala
e a quem pode me dar
peço coragem.
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8. |
Transitório
06:20
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Transitório é este tempo que te divide
sem o saberes
transitórias as águas, os tambores quebrados
transitória a noite que à noite sucede
sem te veres
Transitória a pálida bruma a
ocultar-te de ti
transitório o silêncio ocupando espaços
além da tua boca
transitórias as pedras amargas desaguando
sem licença no litoral da aurora, transitória
a angústia das palavras ensanguentadas em tuas mãos.
Obstinado peregrino quem te acompanha além de ti?
Emissário de rios esquecidos quem te ouve?
Oh, surdas são as ondas deste mar
suspenso
entre os teus dedos e o teu sonho
Conceição Lima - São Tomé e Príncipe
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Isabella Bretz Portugal
Cantora, compositora, produtora cultural e analista internacional. Coautora do livro "Conhecimentos de Áudio Para Cantores" e cocriadora do Sonora - Festival Internacional de Compositoras.
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